Trilha John Muir - Paulo Miranda

Sierra Nevada/EUA   agosto/2002

Sierra Nevada/EUA   agosto/2002

Equipamento: jeito-minimalista-de-ser

19.07.2002

Ontem, lendo o relato de uma pessoa que trilhou a John Muir em meados de Junho, fico sabendo que a neve, nessa época, permanecia só nos passos mais altos, endossando o e-mail de Dave Hart, do California Cooperative Snow Surveys que, ainda em Abril, previa uma trilha praticamente livre de neve em Agosto. Era tudo o que eu desejava, pois, além de ficar livre dos cuidados que a caminhada por encostas geladas impõe, também não precisaria levar equipamentos específicos, como um piolet. E se essa previsão realmente se confirmar, também não levarei a bota. Depois de anos usando botas, venho caminhando, desde o ano passado, com um tênis específico, apropriado ao meu jeito de andar, e que tem me proporcionado mais conforto, mais equilíbrio e menos peso. Fazendo uma bela dobradinha, substituí as meias grossas de trekking pelas de propileno, oferecendo um conforto sem igual: essas meias previnem bolhas, secam mais rápidas, são mais frescas e bem mais leves.

Essa fixação com o peso deve-se à constatação de que uma grande parte do prazer de caminhar acaba sendo minada pelo peso da mochila. A gente fica louco pra chegar ao destino ou ansiando por uma parada só para se ver livre daquele peso nas costas. Enquanto buscava informações sobre a John Muir, ia lendo relatos de pessoas que, visando à redução de peso, chegaram a fabricar seus próprios equipamentos. Desprovido da habilidade e dos meios para tal, mas influenciado por essas leituras e convencido de que de grão em grão a galinha enche o papo, comecei a eliminar tudo o que não era necessário na minha tralha de caminhada.

A primeira peça a ser examinada foi a mochila cargueira. Inúmeras fitas de ajuste, cujo uso, confesso, nunca fez muita diferença, foram impiedosamente cortadas. A tampa, muito bonita por sinal, com um bolso externo e outro interno, e raramente utilizados, teve o mesmo destino, sendo substituída por uma cobertura simples de nylon resinado, o que proporcionou a eliminação de mais de 300 gramas. No final dessa cirurgia plástica, minha mochila está ridiculamente leve, mas ainda oferecendo o mesmo conforto de antes. A bolsa de primeiros socorros também não se salvou, sendo substituída por um saco de nylon resinado, com costuras protegidas com silicone, eliminando outros 200 gramas. Uma quantidade semelhante de gramas foi economizada com a substituição da caneca térmica de uma marca famosa por um pote de supermercado, que, além de servir de copo, também serve para o processo de preparação do almoço: logo de manhã, coloco a lentilha e o arroz integral com água, vedo o pote e saio para andar. No final do dia, os grãos já estão encharcados, acelerando o cozimento. Com a roupa não foi diferente, levando o estritamente necessário, tudo de material sintético e leve - e devidamente desprovido de todos os excessos. O isolante térmico foi cortado pela metade. Na hora de dormir, o isolante para as pernas será a mochila. Eterna inimiga do jeito-minimalista-de-ser, a barraca não podia escapar dessa evolução. Achei uma que pesa somente... 1,3 kg! Encomendada numa loja nos EUA, solicitei que fosse enviada para a casa do Shaun. Comentário dele quando a barraca chegou: "It is pretty damn light". Existe o mesmo modelo numa versão ainda mais leve, pouco mais de um quilo. Só que o peso economizado acabaria pesando no bolso, custando mais do que o dobro do modelo "pesado".

Uma preocupação nessa caminhada é com a água. A maioria das informações a respeito diz que toda a água ao longo da trilha deve ser tratada. Eu, como um típico montanhista de país do terceiro mundo, nunca fui muito de me preocupar com isso. Na pior das hipóteses, jogava um Clor-in e "vambora". Até ser acometido por uma diarréia inesquecível na Serra dos Órgãos ano passado. Assim, além dos tabletes de Clor-in, estou levando um filtro feito em casa, leve, barato (saiu por menos de trinta reais) e super prático, funcionando pelo mesmo sistema encontrado em muitas residências por aí, isto é, por gravidade.

E assim, cortando algumas centenas de gramas aqui e outras tantas ali, eliminando detalhes completamente inúteis e uma quantidade enorme de coisas extremamente essenciais mas que nunca são usadas ( é aquela célebre constatação: "isso poderá ser útil algum dia" ), acabei liberando meus ombros, pernas e joelhos de quilométricas sessões de tortura e atrozes sofrimentos. Além disso, com a diminuição de coisas para carregar, acabou o meu desânimo na hora de arrumar a mochila, pois em minutos está tudo devidamente guardado. Confesso: nunca consegui deixar de reclamar, mesmo que intimamente, quando chegava esse momento. Assim, pouco a pouco fui descobrindo que o jeito-minimalista-de-ser só tem vantagens. Inclusive o de possibilitar, sem o menor sentimento de culpa, que se carregue mais coisas do mais importante de todos os equipamentos: o fotográfico.