Dientes de Navarino 2024 - Paulo Miranda

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Uma trilha no fim do mundo

A ilha

No extremo sul da Amércia do Sul, além do qual se estende o Estreito de Drake e, mais além, a Antártica, encontra-se a Isla Navarino, na margem sul do Canal de Beagle e cortada ao meio pelo paralelo 55ºS. Continente gelado à parte, aquela ilha é o pedaço de terra mais austral do mundo a conter ocupação humana permanente.

Na costa norte da Isla, Puerto Williams, inicialmente uma base militar, foi recentemente transformada em cidade e capital provincial(1), desbancando a argentina Ushuaia, na margem norte daquele canal, do título de cidade mais austral do mundo. Porém, a ocupação humana permanente mais ao sul do mundo é a da localidade de Puerto Toro, na costa leste da Isla: meia dúzia de três ou quatro casas, incluindo as dos Carabineros e da Marinha, com a função apenas de garantir a presença chilena na região face ao ainda existente conflito territorial com a Argentina, conflito esse que quase levou os dois países às armas no final dos anos 1970s.

Com aproximadamente dois mil habitantes, Puerto Willams é o "campo base" para quem pretende percorrer a Dientes de Navarino. Em janeiro de 2024, havia só dois meios convencionais de acesso à ilha a partir de Punta Arenas: pelos aviões da DAP e os barcos da TABSA. Esta última oferecia apenas uma viagem de ida e outra de volta por semana, viagem que dura em torno de 30 horas através dos canais e fiordes e geleiras que caracterizam a costa sul da região de Magallanes(2). É uma viagem que vale a pena, imperdível. Uma das atrações, entre tantas, é quando o barco vindo do norte, contorna a Isla Aguirre e dobra para o leste, momento este em que, quase mar aberto, podemos sentir um gostinho, um tira-gosto, dos ventos e das ondas que vêm do Canal de Drake.

Atenção: em janeiro de 2024 e desde a pandemia, está suspensa a ligação por barco entre Ushuaia, na Argentina, e Puerto Navarino, no extremo oeste da Isla Navarino.

A trilha

Quando o mundo ainda era analógico, uma das principais fontes de informação para quem ia sair pelo mundo às suas custas e com uma mochila nas costas eram os guias da Lonely Planet(3). A sensação de comprar um de seus guias era de excitação plena; ao abri-lo, a viagem começava.

Em 1992, aquela editora lançou o Trekking in the Patagonian Andes, de Clem Lindenmayer. A quantidade e o detalhamento das informações necessárias para alguém se achar nas cidades chilenas e argentinas e “se perder” pelas trilhas dos Andes patagônicos era impressionante. Naquela época, a Terra girava mais devagar e, por isso, podíamos nos fiar em informações com alguns anos de publicação.

Na era digital, porém, a coisa mudou. As informações chegam às enxurradas de todos os lados a todo momento em todas as línguas para todos os gostos. É tanta informação na internet que o guia de viagem, agora, poderia ser chamado de togetherly planet. No caso da trilha Dientes de Navarino, uma das principais fontes de informações - até por ser oficial - é a página Dientes de Navarino: Bien Nacional Protegido, do Ministerio de Bienes Nacionales do governo chileno. Ali, há informações essenciais para quem pretende conhecer esse sendero fascinante.

No arquivo lá disponível, com o título de link DESPLEGABLE(4), há uma informação interessante a respeito da idealização da Dientes:

CLEM LINDENMAYER: EL CREADOR DEL CIRCUITO DIENTES

Clem Lindenmayer, australiano, fue uno de los autores de la primera guía ‘Trekking in the Patagonian Andes’ de Lonely Planet, publicada en 1992. También fue el creador de lo que él llamó como el ‘circuito Dientes de Navarino’. Antiguamente, no existían rutas de senderismo oficiales en Isla Navarino. Lindenmayer, se dice, no viajó a la isla con la intención de crear una ruta de senderismo. Fue por casualidad que, desde el asiento de un avión, la vista hacia el interior montañoso de la isla lo hizo pensar en la idea de una posible una ruta. Muchas cualidades de la experiencia original de Lindenmayer siguen siendo las mismas hoy día. Tal como lo expresó al inicio de la guía de 1992: “El interior de Navarino es un territorio salvaje y esta caminata no debe tomarse a la ligera”. Las “excelentes huellas de guanaco” que lo ayudaron a navegar por la mejor ruta lamentablemente no han sobrevivido el paso del tiempo. Y los auquénidos, si es que aún quedan, solo se pueden encontrar actualmente en el extremo sur y más remota de la isla. El cordón montañoso Lindenmayer y el cerro Clem fueron bautizados en honor al creador del sendero por el guía de montaña de Isla Navarino, Denis Chevallay. Las cenizas de Lindenmayer fueron esparcidas por su viuda Romi Lindenmayer en la cordillera del mismo nombre el año 2010.

Abaixo, dois links para edições anteriores da mesma publicação:

A Dientes de Navarino é um circuito de pouco mais de 40 km(5) através do coração da Isla Navarino, em que o(a) caminhante contorna o Cordón de los Dientes - conjunto montanhoso que é a marca registrada da ilha - em meio a lagos, bosques, passos, charcos e castores. É uma trilha razoavelmente plana, com a altitude máxima de 844 metros alcançada no Paso Virgínia. Isso faz da Dientes uma trilha fisicamente pouco exigente, quase um passeio para uma pessoa em sua boa forma.

Porém, e esse porém faz uma diferença estratosférica, a tranquilidade para por aí. Devido à ausência de rotas de escape, às questões de navegação, à exposição a ventos fortes(6), ao isolamento do lugar e à imprevisibilidade e inclemência do clima, a Dientes se transforma numa trilha bastante exigente. No caso do último item, há que se ter em mente que…

… o fato da Dientes ser, na sua maior parte, sinalizada com hitos e tótens não elimina uma questão essencial: muitas dessas marcações - principalmente os tótens, a maioria baixo e no nível do chão - podem sumir no caso de uma nevasca, mesmo no verão. Nesse caso, impõe-se a necessidade de navegação (por referência, mapa e bússola, GPS) e o cuidado ao caminhar. 

À questão de experiência em longas caminhadas através de lugares remotos, segue-se, consequentemente, a do equipamento, que deve ser muito bem pensado. 

Em relação à roupa, tenha sempre em mente a possibilidade de nevascas (volto a bater nessa tecla) no verão, o que significa temperatura abaixo de zero. Agora… imagina isso com vento e chuva. Logo - é desnecessário dizer, mas dizendo assim mesmo - devemos ter itens impermeáveis e à prova de vento dos pés à cabeça, passando pelas mãos. De quebra, como de regra, envolva as roupas em sacos impermeáveis dentro da mochila. No quesito aquecimento, um bom sistema de camadas ao gosto da pessoa.

A barraca - usamos de três estações - deve ter uma alta coluna d'água tanto no piso quanto no sobreteto. Ah, claro: de boa qualidade e resistente. Lembre-se: venta!

Quanto ao saco de dormir, os nossos tinham um alcance entre -4º e -11º (temperatura de conforto e de limite). A menor temperatura que pegamos foi 3º numa madrugada. Mas, lembre-se: neva no verão!

E por último mas não menos importante: polaina à prova d'água. Item imprescindível, posto que há muitos charcos, verdadeiros devoradores de pés e canelas. Compre, pegue emprestado ou alugue, mas NÃO SE ESQUEÇA DE LEVAR. 

Não vimos nenhuma loja de material de montanhismo em Puerto Williams. Portanto, se precisar de alguma coisa de última hora, procure em Punta Arenas. Por outro lado, há uma empresa de turismo em Puerto Williams - só ficamos sabendo disso quando lá já estávamos - que aluga equipamento, inclusive polaina. É a Turismo Shila, na O'higgins 220, esquina com a Arturo Pratt, em frente à Municipalidad Cabo de Hornos (a prefeitura deles).

Acho que é isso. Sem mais no momento, desejo a todos uma caminhada plena de boas experiências e sensações lá nos confins do mundo.

  1. La isla Navarino es una isla chilena perteneciente a la comuna de Cabo de Hornos y a la Provincia de la Antártica Chilena en la Región de Magallanes.
  2. Toda a área ao sul da ilha da Tierra del Fuego - dividida entre Chile e Argentina - e que engloba, inclusive, o Cabo Horn.
  3. Fundada em 1973.
  4. Tradução: impresso no formato pdf e DOBRÁVEL.
  5. A trilha propriamente dita, excluídos os trechos Puerto Williams/represa e o trecho da estrada entre o fim da caminhada e Puerto Williams.
  6. Como uma cunha, o sul da América do Sul penetra o reino dos grandes ventos conhecidos no mundo náutico como Roaring 40s, Furious 50s, Screaming 60s, o que transforma a previsão do tempo da região quase em um trabalho de Sísifo. Em pleno verão, tem-se de tudo, inclusive neve. A única previsão meteorológica possível é que tudo muda a todo momento e vice-versa.

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